Deus e o Diabo na Terra do Sol foi realizado em meio à convulsão política do país, de 1963 para 64, e estreou em três cinemas do Rio de Janeiro há 50 anos, no dia 10 de julho de 1964. Suas primeiras sessões privadas, realizadas nos meses anteriores, já haviam provocado assombro nos felizes convidados de seu jovem diretor, Glauber Rocha (então com 25 anos), de acordo com descrições posteriores como aquela que o jornalista Nelson Motta entrega na sua muito contestada biografia A Primavera do Dragão (Objetiva, 2011). Desde a entrada em cartaz, elogios rasgados e até comparações arriscadas se sucederam, primeiro nos jornais, depois na Academia.
"É um grande filme, cruel, muitas vezes desconcertante, mas irresistivelmente belo e envolvente", escreveu Ely Azeredo na Tribuna da Imprensa (em texto reproduzido em seu livro Olhar Crítico, editado pelo Instituto Moreira Salles em 2010). "É provável que, sem ser o maior longa já feito neste planeta, como querem alguns exagerados, deixe muito para trás a quase obra-prima de Nelson Pereira dos Santos", continuou, citando Vidas Secas, lançado em 1963 e com o qual Deus e o Diabo e mais Os Fuzis (de Ruy Guerra, 1964) compõem a trilogia sertaneja que constitui a essência e a excelência do Cinema Novo brasileiro.
Na Idade da Pressa, cinco décadas são mais do que suficientes para esquecimentos, injustiças e, paradoxalmente, leituras apressadas. Ainda mais em se tratando do "chato" do Glauber, como definiu recentemente um piadista. Logo Glauber, o homem que, ainda garoto, promovera uma impressionante revisão crítica da cinematografia nacional, tornara-se o nosso principal cineasta e uma figura central da cultura brasileira do século 20. Deus e o Diabo é seu filme mais importante – vamos definir assim, porque, ao menos para mim, é difícil afirmar que algum longa seja "melhor" do que Terra em Transe, que o cineasta lançaria em 1967, ou seja, aos 28 anos de idade.
Deus e o Diabo é rico, em parte, pela forma barroca e pela valorização das alucinações sebastianistas ("O sertão vai virar mar/ e o mar virar sertão"), que ressaltam a força e a atemporalidade do discurso religioso. A inspiração na literatura de cordel foi o caminho para explorar o lado místico daquelas relações sociais. Acabou sendo fundamental para dar transcendência ao filme e dotá-lo de uma eterna e inabalável atualidade.
Foi com O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro (1969), protagonizado pelo mesmo Antônio das Mortes, que Glauber Rocha ganhou o prêmio de melhor diretor no Festival de Cannes. Mas foi com Deus e o Diabo na Terra do Sol que ele efetivamente mudou a história do cinema nacional.
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